09/07/2016

Preto & branco



Helichrysum melaleucum Rchb. ex Holl


As flores cortadas têm vida efémera. Ou melhor, nem sequer têm vida a partir do momento em que são cortadas, mas podem manter um aspecto viçoso durante mais ou menos tempo. Em geral menos, pois as flores de véspera já mal disfarçam a necrose e, em vez de celebrarem a vida, são uma lembrança da mortalidade. Para quem não queira dar-se ao trabalho (e à despesa) de as mudar diariamente, há flores de uma longevidade notável, capazes de se manterem bonitas muito depois de secarem. Entre elas contam-se várias espécies de Limonium (o mais popular nas floristas é o L. sinuatum) e de perpétuas. Estas últimas são conhecidas em inglês como everlasting e pertencem ao género Helichrysum, da família das asteráceas. Os seus capítulos florais, em geral dispostos em corimbos, são dotados de brácteas involucrais escariosas, com uma textura de papel quebradiço, que mantêm a forma por longo tempo mesmo depois de estarem secas.

Em Portugal continental há duas perpétuas muito comuns de norte a sul, ambas de vistosa floração dourada: uma nas areias do litoral (H. italicum subsp. picardii) e outra em matos secos no interior (H. stoechas); a primeira de floração prolongada (para dar aos veraneantes uma oportunidade de a admirar) e a segunda, prudentemente, a despachar a floração entre Maio e Junho, antes da canícula estival. Apresentam um aspecto semelhante, uma cor entre o glauco e o prateado, com as mesmas folhas lineares e de margens revolutas.

Precisamos de ir à Madeira para entender como as perpétuas podem ser versáteis: o arquipélago é morada de nada menos que quatro espécies endémicas de Helichrysum, parecidas umas com as outras mas divergindo claramente das perpétuas continentais. Três delas são exclusivas da ilha da Madeira e uma quarta (H. melaleucum, hoje no escaparate) é partilhada com o Porto Santo. Todas têm folhas largas, lanceoladas, decorativas, e capítulos grandes ostentando algumas inovações cromáticas. Na perpétua do Porto Santo — a mais corpulenta das quatro, atingindo um metro de altura — os florículos são negros, com anteras amarelas, e estão envoltos por brácteas esbranquiçadas, tingidas de rosa. É aliás ao contraste entre o branco e o negro que faz alusão o epíteto melaleucum: mélas significa "negro" em grego antigo, e leucum significa "branco". Seria talvez mais apropriado, face ao que se vê nas fotos, falar do negro e do rosa. Acontece que as perpétuas do Porto Santo não são exactamente iguais às da mesma espécie na Madeira, precisamente por causa das brácteas rosadas (as da Madeira têm brácteas brancas) mas também porque as suas inflorescências se apresentam em cimeiras menos compactas. Foi com base nestas diferenças que, numa nota intitulada Subsídios para o conhecimento da Flora do Porto Santo, publicada em 2011 na revista Silva Lusitana, Roberto Jardim e Miguel Sequeira propuseram o reconhecimento de uma nova subespécie, Helichrysum melaleucum subsp. roseum, englobando todas as populações da perpétua do Porto Santo e distinta da subespécie nominal, esta apenas da ilha da Madeira.

Ainda que as obras de referência consultadas refiram o contrário, o Helichrysum melaleucum não é nada raro no Porto Santo — ou então terá beneficiado de assinalável recuperação em anos recentes. Aparece em quase todos os picos e é mesmo abundante no Pico do Castelo, onde, nas encostas íngremes e secas, divide o protagonismo com a figueira-do-inferno.

1 comentário :

bea disse...

Desconhecia o nome perpétua em flores. Mas não é de todo estranho ao everlasting inglês.